domingo, 1 de novembro de 2015

Dona Doida - Adélia Prado

Uma vez, quando eu era menina,
choveu grosso com trovoadas e clarões,
exatamente como chove agora.
 Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
 meu marido ficou triste até a morte,
 eu fiquei doida no encalço.
 Só melhoro quando chove.